O Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Instituto Avon e Embaixada Britânica, convidou os três vencedores do Selo FBSP 2017 de práticas inovadoras no enfrentamento à violência contra a mulher para uma troca de experiências com a Metropolitan Police de Londres, considerada uma das cinco melhores do mundo. Na verdade, eu não sabia muito o que esperar dessa experiência. Mas era uma oportunidade ímpar. Parti para Londres, e, já no hotel, tive uma prévia do seria aquela semana, pois a professora Fina Macaulay e a delegada Eugenia Villa, de Terezina/PI, estavam super animadas com essa oportunidade. No final do dia encontramos com o restante da turma, a Juliana Martins, do FBSP, a Maíra Arduin, da Embaixada Britânica, a Mafoane Odara, do Institu
to Avon, acompanhada de sua filha, Makini, os também ganhadores do Selo, MJ Denice, 1º SGT Djair e CB Cirqueira, da PM da Bahia, momento muito feliz para todos. No primeiro dia de visita oficial, estivemos na New Scotland Yard, com o DCI Jim Foley, o PC Richard Unwin e a SG Lia Macdonald, todos da unidade especial de investigação de abuso sexual. No total de 30 mil policiais que trabalham em Londres, 1000 trabalham na investigação de abuso, numa população de 8.500 milhões de pessoas. Sendo que estupro é o crime mais grave para eles, perdendo ape
nas para o homicídio. Já na academia de polícia, são apresentadas aos novos policiais algumas vítimas contando seus dramas, e eles são orientados a acreditarem sempre na palavra delas, ao menos até terem provas contundentes do contrário. Essa formação especial se deu início em 2001. São notificados cerca de 7.500 estupros por ano. Os policiais podem atender a vítima em qualquer local, como nos hospitais que tem centros específicos para esse atendimento. Além disso, há um grupo independente, com mulheres que já foram vítimas, para dar apoio a elas. Há um protocolo e técnicas específicas para a investigação.
Há também algumas ações feitas pela própria população para a proteção da vítima, como no caso de uma “código” dito por alguém que sente ameaçado, a um garçom “quero falar com Ângela”, nesse caso, a pessoa pode chamar um táxi ou afastar a vítima de um possível agressor. A sargento Lia nos acompanhou até um núcleo de atendimento a vítima denominado HAVEN, que funciona dentro de um hospital, sendo que há outros espalhados por Londres. Lá fomos recebidas pela médica Susan Bayley e pela psicóloga Raquel Correia, que nos explicaram o funcionamento daquele núcleo, onde já é feito o exa
me de corpo de delito e atendimento psicossocial. No caso de crianças, o atendimento pode ser gravado, sem a identificaçã
o dela, para que não precise ser repetido.
No dia 20, logo pela manhã, tivemos uma reunião com a professora Liz Kelly, da Unidade de Estudos de Abuso de Mulheres e Crianças (CWASU), na Polícia Metropolitana de Londres. A professora Liz há trinta anos estuda e pesquisa e é ativista no combate à violência de gênero. Ela presta ajuda a polícia londrina. Os estudos de Liz, por vezes, vão na contramão do discurso da polícia, como por exemplo, quando ela afirma
que o policial muitas vezes não acredita na palavra da vítima e que Londres tem um baixo número de casos de estupro notificados, sendo que é uma cidade lotada de
universidades. Há também, um visível aumento dos casos de feminicídio de filho contra mãe (na Inglaterra é apenas homicídio). O conceito de violência doméstica está mudando para “violência contra a liberdade da mulher”. A NSY evoluiu muito em relação a investigação de violência doméstica e sexual, mas ainda no abuso de crianças, E está muitíssimo avançada nos crimes sexuais cibernéticos.
No período da tarde, visitamos a Emb
aixada Brasileira, falando sobre nossos trabalhos com o adido da Polícia Federal Roberto Troncon e a diplomata….que ficaram impressionados ao saberem que boas práticas estavam sendo realizadas pelas instituições brasileiras no enfrentamento á violência contra a mulher.
No início da noite, fomos a University College London, onde fomos recebidos pelo Dr S
pencer Chainey, do Institute of Security and Crime Science and its Latin American and Caribbean Unit, que nos deu uma aula sobre perfil geográfico do agressor. Dr Spencer é um dos cinco profissionais do mundo todo que fazem esse tipo de trabalho. Além disso, ele nos falou sobre os estudos que faz na América Latina, com as polícias.
Na manhã do dia 21, partimos de trem para a cidade vizinha Gravesend, onde está instalada a Metropolitan Police Service Training Centre (MPSTC). Fomo
s recebidos pelo instrutor Rob Ebolten, o qual nos explicou o funcionamento da polícia, sua estrutura e como são divididos os cargos. São 30 mil policiais, sendo que cinco mil estão no patrulhamento sem arma letal (seria o primeiro passo, após o treinamento inicial), e por volta de 20% são mulheres. 800 policiais estão numa espécie de grupo de choque, sempre prontos para atender conflitos como confusão de torcidas em jogos de futebol ou terrorismo. Esse grupo tem um treinamento especial que ocorre a cada cinco semanas. Cada policial tem discricionariedade para tomar suas próprias decisões quando estão em serviço, mas também respondem por todos os atos. É proibido, terminantemente, o uso de tortura. Antes de qualquer operação, os policiais fazem um “brifing”, com todos os detalhes, comunicação, método, comando, mas falam também sobre os direitos humanos a serem preservados. Após isso, fomos ver um treinamento de verdade, com uma situação de conflito com manifestantes. É impressionante o centro de treinamento com réplicas de estádio, metrô, pizzaria…tudo muito próximo da realidade.
A tarde, visitamos a Escola de Economia de Londres (LSE), onde as professoras Jennifer Brown e Janet Foster discorreram sobre o tópico : Mulheres no serviço policial, pesquisando a polícia. De aproximadamente 30% de mulheres policiais, poucas são detetives
, mesmo não precisando de força física para isso. Alguns fatores são bem específicos nos casos de abuso sexual, como o consentimento da vítima, pois a recusa não precisa ser expressa, ou, se a vítima for menor de 16 anos, se estiver embriagada ou sob efeito de entorpecente, não há que se falar em consentimento. Calcula-se 100 mil casos por ano de abuso sexual, 1/3 é notificado e 5% chega a uma condenação. Demora por volta de um ano entre denúncia e condenação. Somente 20% dos suspeitos são desconhecidos. E. no caso da Inglaterra, o Estado é titular da ação, a vítima é apenas uma testemunha, o que pode provocar uma ação sem o consentimento da vítima, inclusive tendo condenação, se as provas forem contundentes.
No dia seguinte, nosso primeiro compromisso se deu em outra sede da New Scotland Yard, com a detective chief superintendente Kate Halpin, a qual representa os detetives de sua categoria. Kate nos fez uma exposição sobre o protocolo nacional de investigação, explicou ainda que os quase 30% de mulheres que estão na metropolin Police agora é um número crescente e disse ainda que há 40% de minorias). Kate já participou de uma missão no Iraque, como principal conselheira da polícia, o que gerou preconceito por parte de algumas pessoas, mas está de acordo com a Resolução da ONU nº 1325 sobre a participação da mulher em missão de paz.
Após isso, fomos para a London School of Economics and Polictical Science, para apresentar nossos projetos aos alunos, professores e um policial aposentado. Foi um momento de muita alegria e emoção, pois haviam vários estudantes brasileiros que nem imaginavam que existiam ações como essas no Brasil.
No último dia de visita oficial, voltamos a NSY, onde fomos recebidos pelo che
fe Craig Tuner, pelo DCI Jim Foley, o PC Richard Unwin, as policiais Cristine Roberts e Debbie Crowder. Foi nos explicado que o policial tem treinamento especial para lidar com as vítimas, mas também tem um telefone 24 horas para atender os policiais que precisam ser ouvidos ou se sentem deprimidos. Há muita pesquisa em relação a violência doméstica, pois o custo é alto, cerca de 23 bilhões. Mas há algumas facilidades que agilizam o processo, como o equivalente as nossas medidas protetivas que podem ser dadas pelo próprio policial que atende a ocorrência, Além disso, há um telefone celular que pode ser dado a vítima, a fim de ser usado em caso de emergência. Enfim, há problemas, como em qualquer polícia, mas há muita pesquisa e investigação.
O retorno de Londres foi um misto de dever cumprido e vontade de ficar para aprender mais ainda. Penso que há muito o que fazer aqui, especialmente em Mato Grosso, basta que nos deem meios. Para tanto, a Rede de Frente continuará suas atividades com o mesmo afinco de sempre, primando pelo fim da violência contra a mulher.
Agradeço a todos que tornaram essa experiência possível, especialmente a Fiona, Juliana, Mafoane e Maira. Agradeço também aos meus colegas de luta, que têm projetos incríveis em suas cidades, Eugênia, Denice, Djair e Cirqueira.
Andrea Guirra